Galeria Quartel, Abrantes
EURICO GONÇALVES: A POESIA ESSENCIAL
SATORI é o grau mais elevado de iluminação espiritual da FILOSOFIA ZEN. Vem à mente apenas quando o pensamento atingiu um nível de experiência tal que possa unir-se ao ATO DE PERCEPÇÃO que se apresenta puro e despido de preconceitos. Neste sentido, o SATORI é uma revelação da não-experiência conseguida através da experiência do abandono das diferenças e dos opostos. É um acordar para a percepção da totalidade das coisas reunidas num ponto único onde o mundo vêm a ser mostrado naquilo que é para além das aparências, isto é, na sua ESSÊNCIA.
Desde o seu encontro com o ZEN em 1962 que Eurico persegue incansavelmente esse grau elevado de experiência da não-experiência. Por isso, Eurico afirma que pinta para se DESCONDICIONAR. Porque para o mestre Zen, como para o PINTOR-POETA-FILÓSOFO que é Eurico, a realidade é irreal e só o irreal é o real. É necessário conseguir pôr de lado aquilo que é o comum e normal funcionamento do pensamento para atingir o EXCECIONAL e o ESSENCIAL. Por isso a pintura de Eurico apresenta-se como um sistema assistemático onde o vazio predomina. E se o VAZIO é a lei do Zen, é porque só no contraste com o espaço vazio é que toda a realidade concreta se recorta, se escreve e nasce. No vazio, tudo quanto venha a acontecer, todo o acontecimento é ACONTECIMENTO ESSENCIAL E REVELADOR. Toda a escrita é escrita pura da visão iluminada. Toda a poesia (Koan) é PURA ESSÊNCIA POÉTICA. Toda a forma é pura percepção, onde o antigo pensamento não tem valor, onde o sujeito é ele próprio o objeto que percebe, unindo-se o interior (metafísico-onírico) com o exterior (real-concreto). Assim, em contraste com o vazio, o pensamento une-se ao gesto e o pintor é ele próprio a forma que pinta. SÊ TODO EM CADA COISA. PÕE QUANTO ÉS NO MÍNIMO QUE FAZES (RICARDO REIS).
Dessa forma, a PINTURA-POESIA é uma pintura que é também uma POÉTICA DO SER, “causa primeira”, “cérebro ou coração da criação”, onde o Ser se descobre e se revela. “A pintura é um mundo por si e não cópia do mundo, exprime indiretamente e não por reenvio ao objeto” (Merleau-Ponty). Indiretamente quer aqui dizer obrigatoriamente aquilo que não é a realidade quotidiana e a reprodução direta (copiada) dessa realidade. Eurico consegue assim a pintura que nos mostra um pouco da ESSÊNCIA DO MUNDO QUE ESTÁ PARA ALÉM NORMAIS CONDIÇÕES PERCEPTIVAS. É por isso que o SATORI é também o sentimento do ESPAÇO INFINITO. Eurico lembra-me assim um viajante incansável por espaços ilimitados e horizontes de sonho desdobrando constantemente a realidade, mostrando aquilo que nela permanece oculto e iluminando-nos assim. APRENDER A VIA DO ACORDADO É APRENDER-SE A SI MESMO (MESTRE DÔGEN).
João do Vale, Dezembro de 2015
A FUSÃO DOS OPOSTOS NA FENOMENOLOGIA DA PINTURA DE JOÃO DO VALE
(AMOR, LIBERDADE E POESIA)
O seu estudo e investigação sobre PINTURA começa por referenciar CÉZANNE que, ao interpretar a natureza através da geometrização da pincelada certa, rectilínea e estrutural, é um Precursor da visão multifocal do espaço multifacetado do Cubismo Analítico de PICASSO e BRAQUE, próximos das Composições Abstractizantes de BEN NICHOLSON. Por seu turno o Expressionismo Fauve de Van Gogh e o Simbolismo de Gauguin exaltam a cor táctil, sensual e contrastante, que se contrapõe à serena contemplação da cor-luz nas composições figurativas e cenográficas de FRA ANGELICO, no século XV, mais agitada e teatral em TICIANO. Tal interpretação faz-me pensar na conjugação dos opostos como o Romantismo e o Classicismo, o gesto impulsivo e a geometria, a deformação intencional do Expressionismo e a necessidade de reencontrar uma certa ordem no Construtivismo Abstracto Lírico.
A PINTURA DE JOÃO DO VALE é sensível à conjugação dos opostos. “Duas idades tem o Desenho: a primeira é espontânea e a segunda procura uma certa ordem: é clássica” – ALMADA NEGREIROS. Já o Poeta Surrealista ANDRÉ BRETON afirma: “A BELEZA É CONVULSIVA OU NÃO É BELEZA”, o que se opõe à visão neoclássica do Impressionista SEURAT que quis fazer da Arte uma Ciência: “DUVIDAI DA BELEZA QUE NÃO É SERENA”. Na sequência de VAN GOGH, o Expressionista KIRCHNER acentua a figuração angulosa e distorcida com cores vivas e contrastantes, rebatidas no plano do suporte, tal como o fauvista Matisse, autor de composições ornamentais e festivas. (…)
Para JOÃO DO VALE, A PINTURA é uma maneira de sentir a Cor, a Forma, a Estrutura e o Espaço Envolvente. A sua Cor Sensorial oscila entre o informal e o geométrico, na concepção de Composições Emblemáticas, não alheias a inquietações profundas, que dissolvem parcialmente a rigidez dos contornos. Tudo flui nesta Pintura Atmosférica de cor-luz, que invade o espaço.
No caso de JOÃO DO VALE, “VALE A PENA CONTINUAR A SONHAR/ IMAGINAR O QUE A PINTURA REVELA COM INESPERADA E SURPREENDENTE AUDÁCIA”. O Pintor envolve-se inteiramente nesta AVENTURA POÉTICA E ESTÉTICA. Costumo dizer que “A PINTURA É O MEU ESPAÇO DE LIBERDADE”. Na pintura de João do Vale, as figuras são vultos humanos fantasmáticos, paisagens e arquiteturas, quadrados e rectângulos, janelas e portas, o sol negro e o céu azul, súbitas aparições e construções. A luz e a sombra vislumbram-se na penumbra. Tudo surge e ressurge em sobressalto, como prelúdio de uma nova visão. A terra, o mar, o céu, o infinito. (…)
Eurico Gonçalves, Novembro de 2015
catálogo [s.n.t.]